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O irmão viúvo

por letícia do vale

José Nilton Soares

Vicênça Soares

“Um começo que não teve fim”. É dessa forma que José Nilton Soares expressa a dor do desaparecimento do pai. O que parecia ser uma rotineira ida ao supermercado abriu chagas incuráveis na família da vítima. Francisco fez compras, subiu na simples bicicleta e não voltou para casa. A partir desse momento, os familiares do aposentado se envolveram em uma busca perseverante, e seguem há 9 anos sem respostas sobre o paradeiro de Francisco.

 

Vicença Soares é irmã do desaparecido e viu a vida se transformar de uma hora para a outra quando seu parceiro de infância simplesmente sumiu. “Todos os meses ele vinha aqui em casa, à tarde. Ele chegava aqui, sentava, conversava um pedacinho com a gente”, recorda Vicença, mostrando um semblante alegre ao relatar a memória.

 

De acordo com a mulher, o irmão nunca mais foi o mesmo após o falecimento da esposa, adquirindo uma personalidade triste na maior parte do tempo. Então, exatamente um ano após a internação da amada no hospital, Francisco desapareceu, logo depois de sair para fazer compras em um supermercado no bairro Carlito Pamplona. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A primeira providência da família foi procurar o auxílio da Polícia Civil para solucionar o caso. No entanto, o amparo não veio. De acordo com o filho do desaparecido, registrar o boletim de ocorrência foi a única ferramenta disponibilizada pelo órgão, e os familiares de Francisco não obtiveram qualquer tipo de retorno.

 

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DESCASO


Esse descaso envolve diversos fatores. Inicialmente, o desaparecimento de um indivíduo não é considerado crime, devido à liberdade individual de ir e vir assegurada pela Legislação Brasileira. Assim, a Polícia Civil somente gera inquérito em casos de pessoas desaparecidas quando há indícios de violência ou outro crime associado ao ocorrido. 

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Além disso, o Ceará enfrenta uma grande crise de segurança. É o que relata a titular do 34º Distrito Policial de Fortaleza, Patrícia Aragão. De acordo com a delegada, o número de policiais em atividade não acompanha o crescimento de crimes na Capital, e a custódia de indivíduos presos dentro das delegacias ocupa a grande parte do trabalho da maioria dos agentes disponíveis. “Às vezes nós estamos diante de um homicídio, que tem um corpo estendido, tem um laudo cadavérico, e por outro lado tem uma pessoa que vem dizer que o filho desapareceu. Às vezes o filho saiu de casa, porque a mãe arrumou outro marido, e ela chega dizendo que o filho desapareceu. Então, eu entendo que há uma falha por parte da polícia, porque poderia prestar uma melhor qualidade no atendimento, mas por outro lado eu vejo que a polícia vem sendo sufocada com serviços que não são da sua atribuição, porque a custódia de presos não é atribuição da polícia, e sim da justiça, e a falta de condição mesmo, de estrutura”, relata Patrícia. 

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Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), desde 2015 foram registrados 6.550 boletins de ocorrência de pessoas desaparecidas no Ceará, além de 49 casos apontados como homicídios violentos sem a identificação da vítima, só nos primeiros quatro meses deste ano. 

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Infelizmente, esses dados não refletem a realidade dos casos cearenses de desaparecimentos. De acordo com Patrícia, raras são as famílias que voltam às delegacias para informarem que a vítima foi localizada e retirarem o B.O. Além disso, ao contrário de estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, que apresentam delegacias especializadas nesses tipos de ocorrência, o Ceará segue sem aparelhos semelhantes. 

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Dessa forma, a falta de um local específico para essas denúncias dificulta os cruzamentos de dados  as vítimas e criam números não concretos. Esse foi o cenário encontrado pela consultora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Olaya Hanashiro. Em 2017, o órgão realizou um estudo inédito sobre o assunto, solicitado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. De acordo com os boletins de ocorrência coletados por todo o país, cerca de 693.076 pessoas desapareceram no Brasil nos últimos 10 anos. O Ceará não enviou os dados solicitados ao Fórum. 

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“A gente tem visto vários relatos em que há um boletim de ocorrência feito pela família, essa pessoa desaparecida acaba aparecendo em outro boletim como vítima de homicídio e simplesmente não há um cruzamento de dados. O estado esbarra nessa pessoa e não faz nenhum cruzamento de dados pra ver que ela está sendo procurada”, explica Olaya.

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À PROCURA DE FRANCISCO 

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Sem apoio, os entes da vítima seguiram em uma investigação solitária. Foram cerca de 2.500 cartazes espalhados por toda a cidade, diversos apelos em aparições na TV e até a contratação de um detetive particular.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Olaya Hanashiro

IML, Hospital do Coração, em Messejana, Frotão, hospitais mentais, praças e até Crateús, a terra natal de Francisco, foram visitados pela família do aposentado. Nada, nenhum sinal, nenhuma resposta.

Boletim de ocorrência de Francisco
Boletim de ocorrência de Francisco
Boletim de ocorrência de Francisco
Vicença Soares - irmã do desaparecido
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Vicença Soares - irmã do desaparecido
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